Símbolos.....

O que significa a Caveira? Desde crianças somos acostumados a tratar com os mais diversos signos e seus respectivos significados. Além das letras, da própria linguagem escrita, e na verdade, bem antes dela mesma, é comum a educação comunicativa começar não só com as palavras mais simples, mas também com determinadas figuras que representam, em geral, um conceito completo. Entre elas, uma que frequentemente aparece até mesmo em desenhos animados é o de uma Caveira. Quando vista em uma garrafa, ela significa que o líquido nela contido não deve ser bebido. Quando vista em uma bandeira, ela representa os corsários, que, no mais das vezes, e apesar de certos representantes heróicos. A Caveira significa, em suma, perigo, veneno. A sua visão é um sinal de medo. No Brasil, ela tem um significado a mais. A Caveira foi eleita como símbolo do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar. O famoso (e ainda mais famoso depois de aparecer no cinema) BOPE. Desde crianças nos apresentam o policial como um símbolo de segurança, honra, de luta pela paz de todos. Mas porque a própria corporação que deve se orgulhar de ostentar tais significados escolhe, para si própria (estampando em fardas, veículos etc.) o símbolo do perigo, do veneno, da violência? Para responder esta contradição, como a muitas outras de nossos tempos, é necessário ir além do aparente. Além do óbvio. É necessário discutir as instituições de nossas sociedades a partir das funções que cumprem efetivamente, e não apenas daquelas funções que declaram cumprir. A polícia combate o crime. Claro e evidente como uma manhã de sol! Mas as coisas se complicam quando se levanta a seguinte questão: “o que é o crime”? Por questões de espaço, digamos, em grosseiro resumo, que comete crime aquele que possui conduta contrária às proibições da lei penal, desde que, comprovado através de um devido processo legal, receba uma condenação judicial através de sentença. Mas, indo além do óbvio, entre o que acontece na realidade social e aquilo que é impresso nas sentenças judiciais existe um longo caminho a ser percorrido. Fazer este caminho ao contrário pode demonstrar suas distorções e suas verdadeiras funções nas sociedades modernas. O discurso penal repressor, comumente defendido nos meios midiáticos mais sensacionalistas, mas também, com maior sofisticação, diversas vezes divulgado nas próprias academias de Direito, vale-se de uma simples mistificação: o crime é mau. Esta frase aparentemente simples carrega um significado profundo. O crime é algo naturalmente ruim, um desagregador social e merece ser combatido, custe o que custar. Aquele que o comete merece ser preso (quando não se elevam as condenações para aquelas sequer permitas pela lei ). Ora, mas o crime, como vimos, é aquilo que vai contra a lei penal. A lei penal, por sua vez, é definida através de um processo legislativo, ou seja: um processo político. Isto, por si só, aclara uma questão importante. O crime não é uma realidade natural. Ele não é nem bom, nem mau. Ele é uma opção política. Alguém pode dizer que matar outra pessoa é naturalmente ruim e por isto deve ser um crime. Quanto à criminalização do homicídio não discordamos. Porém, se matar é naturalmente ruim, deve ser ruim em qualquer ocasião e, então, não ser permitido em qualquer caso. Mas o que dizer de soldados em guerra. Devem ser condenados por homicídio? Pior, o que dizer dos países onde a pena de morte é permitida? São nações naturalmente más? Não. Apenas tomaram determinada opção política legislativa. E, em geral, situações como as descritas não são consideradas crimes, apesar de serem condutas que podem ser classificadas moralmente como violentas e indesejáveis. Isto deve nos levar a uma conclusão indispensável. Se o crime é uma opção política, terá condições de definir o crime (ou “a maldade”) aquele grupo social com o maior poder político. Em uma sociedade recheada de desigualdades (e o Brasil é um “belo” exemplo) não é difícil perceber que o poder político é também desigualmente distribuído. Significa dizer que o aparato penal será sempre utilizado em defesa dos interesses daqueles que têm o poder político de definir seus objetivos e mesmo as condutas a serem criminalizadas. Em uma economia capitalista, isto se confunde invariavelmente com o poder econômico. Em termos práticos, é importante perceber que definir como crime condutas tais quais a pirataria, a invasão de propriedades, , por exemplo, atende a mais interesses do que simplesmente à paz social. Isto não quer dizer que não se devam procurar meios de reduzir a violência urbana e mesmo a criminalidade. Mas significam que, em inúmeros casos, a vigilância social se encontrará justificada sobre as camadas mais desfavorecidas da população, justamente aquelas que, por este mesmo motivo, podem tornar-se insatisfeitas com sua situação passando a condutas que desestabilizem as bases sociais. A questão é que as presentes bases sociais são as mesmas que permitem o acúmulo de grandes fortunas de um lado, e a fome e a miséria de outro. Este tema é amplamente vasto. Mas pouco pode ser discutido no presente texto. O que se torna crucial é notar que inúmeros fatos dão alguma verdade (se não comprovarem completamente) o que está dito acima. Costuma-se dizer que a prisão só serve para “pretos, pobres e prostitutas”. O que deveria ser uma piada, ainda que racista, machista e de extremo mau gosto (que por si só já é detestável), acaba se tornando uma triste realidade. O cárcere, e este é apenas o exemplo mais gritante em todo o sistema penal, acaba servindo apenas para punir aqueles que já são diariamente oprimidos pela realidade que os circunda. Segundo pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas, no ano 2000, 66,5% da população carcerária do Rio de Janeiro era de negros e pardos, e destes 80,3% possuía baixa escolaridade, sendo 16,3% totalmente analfabetos. Pouco mudou até hoje. E, apesar disto criar a ilusão de que estão presos porque são criminosos, a verdade é que a seletividade do sistema apenas se fechou sobre eles, deixando de fora inúmeros crimes, em geral cometidos por representantes das classes mais privilegiadas. Esta ilusão de que a criminalidade é sinônimo, ao mesmo tempo, do mau e da pobreza, justifica a nossa Caveira. Ou, pelo menos, justifica o fato de que ela costuma ser muito mais vista nas periferias do que nos bairros abastados das cidades. E não é apenas lá que atua o Batalhão de Operações Especiais. Não raras vezes é o BOPE pode ser visto tratando, sempre com seu jeito de “operar” todo “especial”, de problemas com sem-tetos que acampam em terrenos baldios, de manifestações estudantis contra abusos do setor empresarial dos transportes públicos, da “sujeira humana” que precisa ser recolhida antes de grandes eventos esportivos, como o Pan-Americano, a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, entre várias outras situações. No fim, a polícia, seja sua “tropa de elite”, sejam seus “soldados rasos”, acaba servindo para resguardar os mesmos interesses que o discurso mistificador de que o crime é naturalmente mau e o pobre é naturalmente inclinado a ele. Contudo, um rápido olhar nas estatísticas de criminalidade do próprio Ministério da Justiça demonstra que esta, apesar do esforço da Caveira, continua a crescer. Isto significa, no mínimo, que ela não tem sido combatida de uma forma eficaz. E mesmo assim, esta mesma forma violenta, excludente e opressora continua sendo aplicada ano após ano, na qual vivemos. E significa dizer que, enquanto vivermos em uma sociedade na qual as desigualdades sejam a tônica; enquanto não desistirmos de insistir nesta mesma sociedade e passar a buscar os meios de construção de uma forma de sociabilidade completamente alternativa; enquanto não for realidade, uma sociedade em que a igualdade é efetiva e material, e não apenas formal; a polícia vai significar sim segurança, mas só para alguns interesses, e não para todos. E a Caveira, por sua vez, ainda vai significar perigo, veneno, violência e morte para a maioria da população, para aqueles que convivem diariamente com a opressão, a exploração e a negação de seus direitos mais básicos. E a Caveira se esforçará para continuar significando o medo para eles, em uma tentativa abnegada de impedir que se levantem e agarrem aquilo lhes pertence: sua condição mínima de seres humanos. O que está por trás disto é uma questão muito mais profunda que diz respeito ao modelo de sociedade em que estamos inseridos.Não considero um bom símbolo a caveira,mas se a utilizam, que seja um símbolo de morte destas injustiças sociais e nunca uma apologia à morte, ao fúnebre.Como educadora, sugiro outros símbolos.

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