ALFABETIZAÇÃO
E LETRAMENTO
Magda Soares
Introdução
As muitas facetas da alfabetização, encontro
ali já anunciado, sem que ainda fosse nomeado, o conceito de letramento, que se
firmaria posteriormente, e, de forma implícita, as relações entre esse conceito
e o conceito de alfabetização; Para prevenir sobressaltos, adianto, já neste
momento inicial de minhas reflexões, que meu objetivo será defender, numa
proposta apenas aparentemente contraditória, a especificidade e, ao mesmo
tempo, a indissociabilidade desses dois processos – alfabetização e letramento, tanto na perspectiva teórica quanto na
perspectiva da prática pedagógica. Busca recuperar a evolução dos conceitos de
letramento e alfabetização ao longo das duas últimas décadas, identificando,
nesse período, um movimento de progressiva invenção da palavra e do conceito de
letramento e concomitante desinvenção da alfabetização, entendida como a perda
de especificidade desse processo, o que vem tendo como conseqüência uma nova
modalidade de fracasso escolar: o precário nível de domínio da língua escrita
em ciclos ou séries em que esse domínio já deveria ter sido alcançado. Discutem-se
as causas dessa perda de especificidade do processo de alfabetização, e
propõe-se uma distinção entre alfabetização e letramento que preserve a
peculiaridade de cada um desses processos, ao mesmo tempo em que se afirma sua
indissociabilidade e interdependência. Caracteriza-se o momento atual como
sendo de tentativas de reinvenção da alfabetização, considerada necessária
desde que entendida não como a volta a paradigmas do passado, mas como
recuperação da especificidade da alfabetização em suas múltiplas facetas, e sua
integração com o processo de letramento.
(Cadernos de Pesquisa, n. 52, de fevereiro de 1985).
A
invenção do letramento
Assim, é em meados dos anos 1980. As
práticas do ler e do escrever resultantes da aprendizagem do sistema de
escrita. que se dá, simultaneamente, a invenção do letramento no Brasil, do illettrisme,
na França, da literacia, em Portugal,
para nomear fenômenos distintos daquele denominado alfabetização, alphabétisation.
Nos Estados Unidos e na Inglaterra, embora a palavra literacy já estivesse dicionarizada desde o final do século XIX,
foi também nos anos 80 que o fenômeno que ela nomeia, distinto daquele que em
língua inglesa se conhece como reading
instruction, beginning literacy, tornou-se
foco de atenção e de discussão nas áreas da educação e da linguagem, o que se
evidencia no grande número de artigos e livros voltados para o tema,
publicados, a partir desse momento, nesses países, e se nos operacionalizou
vários programas, neles desenvolvidos, de avaliação do nível de competências de
leitura e de escrita da população.
Entretanto, se há coincidência quanto ao momento histórico em que as
práticas sociais de leitura e de escrita emergem como questão fundamental, em
sociedades distanciadas geograficamente, socioeconomicamente e culturalmente, o
contexto e as causas dessa emersão são essencialmente diferentes, em países em
desenvolvimento, como o Brasil, e em países desenvolvidos, como a França, os
Estados Unidos, a Inglaterra. Sem pretender uma discussão mais extensa dessas diferenças,
o que ultrapassaria os objetivos e possibilidades deste texto destaca a
diferença fundamental, que está no grau de ênfase posta nas relações entre as
práticas sociais de leitura e de escrita e a aprendizagem do sistema de
escrita, ou seja, entre o conceito de letramento, e o conceito de alfabetização.
Nos países desenvolvidos, ou do Primeiro
Mundo, as práticas sociais de leitura e de escrita assumem a natureza de
problema relevante no contexto da constatação de que a população, embora
alfabetizada, não dominava as habilidades de leitura e de escrita necessárias
para uma participação efetiva e competente nas práticas sociais e profissionais
que envolvem a língua escrita. Assim, na França e nos Estados Unidos, para
limitar a análise a esses dois países, os problemas de illettrisme, de literacy/illiteracy
surgem de forma independente da questão da aprendizagem básica da escrita.
Na França quanto nos Estados Unidos, das
questões de letramento em relação às questões de alfabetização não significa
que estas últimas não venham sendo, elas também, objeto de discussões,
avaliações, críticas. Como se verá
adiante, neste texto, tem sido também intensa, nos últimos anos, nesses países,
a discussão sobre problemas da aprendizagem inicial da escrita; o que se quer
aqui destacar é que os dois problemas – o domínio precário de competências de
leitura e de escrita necessárias para a participação em práticas sociais
letradas e as dificuldades no processo de aprendizagem do sistema de escrita,
ou da tecnologia da escrita – são tratados de forma independente, o que revela
o reconhecimento de suas especificidades e uma relação de não-causalidade entre
eles.
No Brasil, porém, o movimento se deu, de
certa forma, em direção contrária: o despertar para a importância e necessidade
de habilidades para o uso competente da leitura e da escrita tem sua origem
vinculada à aprendizagem inicial da escrita, desenvolvendo-se basicamente a
partir de um questionamento do conceito de alfabetização. Assim, ao contrário do que ocorre em países
do Primeiro Mundo, como exemplificado com França e Estados Unidos, em que a
aprendizagem inicial da leitura e da escrita – a alfabetização, para usar a
palavra brasileira – mantém sua especificidade, no contexto das discussões
sobre problemas de domínio de habilidades de uso da leitura e da escrita –
problemas de letramento – no Brasil
os conceitos de alfabetização e letramento se mesclam, se superpõem,
freqüentemente se confundem. Esse enraizamento do conceito de letramento no
conceito de alfabetização pode ser detectado tomando-se para análise fontes
como o Censo, a mídia, a produção acadêmica.
A partir do conceito de alfabetizado,
que vigorou até o Censo de 1940, como aquele que declarasse saber ler e
escrever, o que era interpretado como capacidade de escrever o próprio nome;
passando pelo conceito de alfabetizado como aquele capaz de
ler e escrever um bilhete simples, ou seja, capaz de não só saber ler e
escrever, mas de já exercer uma prática de leitura e escrita. Alfabetizado é
aquele indivíduo que sabe ler e escrever; letrado é aquele que sabe ler e
escrever, mas que responde adequadamente às demandas sociais da leitura e da
escrita. Alfabetizar letrando é
ensinar a ler e escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da
escrita. Assim, o educando deve ser alfabetizado e letrado. A linguagem é um
fenômeno social, estruturada de forma ativa e grupal do ponto de vista cultural
e social. O nível de alfabetização funcional da
população, ficando implícito nesse critério que, após alguns anos de
aprendizagem escolar, o indivíduo terá não só aprendido a ler e escrever, mas
também a fazer uso da leitura e da escrita, verifica-se uma progressiva, embora
cautelosa, extensão do conceito de alfabetização em direção ao conceito de
letramento: do saber ler e escrever em direção ao ser capaz de fazer uso da
leitura e da escrita.
A desqualificados,
segundo a matéria, eram aqueles que, embora declarando saber ler e escrever um
bilhete simples tinha menos de quatro anos de escolarização, sendo, assim, analfabetos funcionais. Durante toda a
última década e até hoje a mídia vem usando, em matérias sobre competências de
leitura e escrita da população brasileira, termos como semi-analfabetos, iletrados, analfabetos funcionais,
ao mesmo tempo em que vem sistematicamente criticando as informações sobre
índices de alfabetização e analfabetismo que tomam como base apenas o critério
censitário de saber ou não saber “ler e escrever um bilhete simples”. A mídia
vem, pois, assumindo e divulgando um conceito de alfabetização que o aproxima
do conceito de letramento.
No Brasil, a discussão do letramento surge
sempre enraizada no conceito de alfabetização, o que tem levado, apesar da
diferenciação sempre proposta na produção acadêmica, a uma inadequada e
inconveniente fusão dos dois processos, com prevalência do conceito de
letramento, por razões que tentarei identificar mais adiante, o que tem
conduzido a certo apagamento da alfabetização que, talvez com algum exagero,
denomino desinvenção da alfabetização, de que trato em seguida.
A desinvenção da alfabetização
O neologismo desinvenção pretende nomear a progressiva perda de
especificidade do processo de alfabetização que parece vir ocorrendo na escola
brasileira ao longo das duas últimas décadas. Certamente essa perda de
especificidade da alfabetização é fator explicativo – evidentemente, não o
único, mas talvez um dos mais relevantes – do atual fracasso na aprendizagem e,
portanto, também no ensino da língua escrita nas escolas brasileiras, fracasso
hoje tão reiterada e amplamente denunciado.
É verdade que não se denuncia um fato novo: fracasso em alfabetização
nas escolas brasileiras vem ocorrendo insistentemente há muitas décadas; hoje,
porém, esse fracasso configura-se de forma inusitada. Anteriormente ele se
revelava em avaliações internas à escola, sempre concentrado na etapa inicial
do ensino fundamental, traduzindo-se em altos índices de reprovação,
repetência, evasão; hoje, o fracasso se revela em avaliações externas à escola
– avaliações estaduais de todo o ensino fundamental, chegando mesmo ao ensino
médio, e se traduz em altos índices de precário ou nulo desempenho em provas de
leitura, denunciando grandes contingentes de alunos não alfabetizados ou
semi-alfabetizados depois de quatro, seis, oito anos de escolarização. A
hipótese aqui levantada é que a perda de especificidade do processo de
alfabetização, nas duas últimas décadas, é um, entre os muitos e variados
fatores, que pode explicar esta atual “modalidade” de fracasso escolar em alfabetização.
Embora Gaffney e Anderson situem essas
mudanças paradigmáticas no contexto norte-americano, pode-se reconhecer as
mesmas mudanças no Brasil, aproximadamente no mesmo período; em relação ao
período que aqui interessa, pode-se afirmar que, tal como ocorreu nos Estados
Unidos, também no Brasil os anos 80 e 90 assistiram ao domínio hegemônico, na
área da alfabetização, do paradigma cognitivista, que aqui se difundiu sob a
discutível denominação de construtivismo (posteriormente, socioconstrutivismo). Ao contrário, porém, dos Estados Unidos, em
que esse paradigma foi proposto para todo e qualquer conhecimento escolar,
tomando como eixo uma nova concepção das relações entre aprendizagem e
linguagem, traduzida no movimento que recebeu a denominação de whole language, entre nós ele chegou
pela via da alfabetização, através das pesquisas e estudos sobre a psicogênese
da língua escrita, divulgada pela obra e pela atuação formativa de Emilia
Ferreiro. Não é necessário retomar aqui a mudança que representou, para a área
da alfabetização, a perspectiva psicogenética: alterou profundamente a
concepção do processo de construção da representação da língua escrita, pela
criança, que deixa de ser considerada como dependente de estímulos externos
para aprender o sistema de escrita – concepção presente nos métodos de
alfabetização até então em uso, hoje designados “tradicionais” – e passa a
sujeito ativo capaz de progressivamente (re) construir esse sistema de
representação, interagindo com a língua escrita em seus usos e práticas
sociais, isto é, interagindo com material “para ler”, não com material
artificialmente produzido para “aprender a ler”; os chamados pré-requisitos para a aprendizagem da
escrita, que caracterizariam a criança “pronta” ou “madura” para ser alfabetizado
– pressuposto dos métodos “tradicionais” de alfabetização – são negados por uma
visão interacionista, que rejeita uma ordem hierárquica de habilidades,
afirmando que a aprendizagem se dá por uma progressiva construção do
conhecimento, na relação da criança com o objeto “língua escrita”; as
dificuldades da criança, no processo
de construção do sistema de representação que é a língua escritas –
consideradas “deficiências” ou “disfunções”, na perspectiva dos métodos
“tradicionais” – passam a ser vistas como “erros construtivos”, resultado de
constantes reestruturações.
Em primeiro lugar, dirigindo-se o foco
para o processo de construção do sistema de escrita pela criança, passou-se a
subestimar a natureza do objeto de conhecimento em construção, que é,
fundamentalmente, um objeto lingüístico constituído, quer se considere o
sistema alfabético quer o sistema ortográfico, de relações convencionais e
freqüentemente arbitrárias entre fonemas e grafemas. Em outras palavras,
privilegiando a faceta psicológica da alfabetização, obscureceu-se sua faceta
lingüística – fonética e fonológica.
Em segundo lugar, derivou-se da concepção construtivista da
alfabetização uma falsa inferência, a de que seria incompatível com o paradigma
conceitual psicogenético a proposta de métodos de alfabetização. De certa forma, o fato de que o problema da
aprendizagem da leitura e da escrita tenha sido considerado, no quadro dos
paradigmas conceituais “tradicionais”, como um problema, sobretudo metodológico
contaminou o conceito de método de alfabetização, atribuindo-lhe uma conotação
negativa: é que, quando se fala em “método” de alfabetização, identifica-se,
imediatamente, “método” com os tipos “tradicionais” de métodos – sintéticos e
analíticos (fônico, silábico, global, etc.), como se esses tipos esgotassem
todas as alternativas metodológicas para a aprendizagem da leitura e da
escrita. Talvez se possa dizer que, para a prática da alfabetização, tinha-se,
anteriormente, um método, e nenhuma teoria; com a mudança de concepção sobre o
processo de aprendizagem da língua escrita, passou-se a ter uma teoria, e
nenhum método.
É preciso, a esta altura, deixar claro que defender a especificidade do
processo de alfabetização não significa dissociá-lo do processo de letramento,
como se defenderá adiante. Entretanto, o que lamentavelmente parece estar
ocorrendo atualmente é que a percepção, que se começa a ter, de que, se as
crianças estão sendo, de certa forma, letradas na escola, não estão sendo alfabetizadas, parece estar conduzindo à solução de um retorno à alfabetização como
processo autônomo, independente do letramento e anterior a ele. É o que estou
considerando ser uma reinvenção da alfabetização que, numa afirmação apenas
aparentemente contraditória, é, ao mesmo tempo, perigosa – se representar um
retrocesso a paradigmas anteriores, com perda dos avanços e conquistas feitos
nas últimas décadas – e necessária – se representar a recuperação de uma faceta
fundamental do processo de ensino e de aprendizagem da língua escrita.
A reinvenção da alfabetização
Temos usado com frequência na área da educação a metáfora da “curvatura
da vara”, a que os americanos preferem a metáfora do “pêndulo”, ambas
representando a tendência ao raciocínio alternativo: ou isto ou aquilo; se
isto, então não aquilo.
A autonomização do
processo de alfabetização, em relação ao processo de letramento, para a qual se
está tendendo atualmente, pode ser interpretada como a curvatura da vara ou o
movimento do pêndulo para o “outro” lado. O “lado” contra o qual esta tendência
se levanta aquele que, de certa forma, dominou o ensino da língua escrita não
só no Brasil, mas também em vários outros países, nas últimas décadas,
baseia-se numa concepção holística da aprendizagem da língua escrita, de que
decorre o princípio de que aprender a ler e a escrever é aprender a construir
sentido para e por meio
de textos escritos, usando experiências e
conhecimentos prévios; no quadro dessa concepção, o sistema grafo - fônico (as
relações fonema-grafema) não é objeto de ensino direto e explícito, pois sua
aprendizagem decorreria de forma natural da interação com a língua
escrita. É essa concepção e esse
princípio que fundamentam a whole
language, nos Estados Unidos, e o chamado construtivismo,
no Brasil.
Entretanto, resultados de
avaliações de níveis de alfabetização da população em processo de
escolarização, que se multiplicaram nas duas últimas décadas, no Brasil e em
muitos outros países, têm levado a críticas a essa concepção holística da
aprendizagem da língua escrita, incidindo essa crítica particularmente na
ausência, no quadro dessa concepção, de instrução direta e específica para a
aprendizagem do código alfabético e ortográfico.
O que é preciso reconhecer é que o
antagonismo, que gera radicalismos, é mais político que propriamente
conceitual, pois é óbvio que tanto a whole language, nos Estados Unidos, quanto
o chamado construtivismo, no Brasil, consideram a aprendizagem das relações
grafo-fônicas como parte integrante da aprendizagem da língua escrita – ocorreria
a alguém a possibilidade de se ter acesso à cultura escrita sem a aprendizagem
das relações entre o sistema fonológico e o sistema alfabético? E o
construtivismo está em que, enquanto nas primeiras considera-se que as relações
entre o sistema fonológico e os sistemas alfabéticos e ortográficos devem ser
objeto de instrução direta, explícita e sistemática, com certa autonomia em
relação ao desenvolvimento de práticas de leitura e escrita, nas segundas,
considera-se que essas relações não constituem propriamente objeto de ensino,
pois sua aprendizagem deve ser incidental, implícita, assistemática, no
pressuposto de que a criança é capaz de descobrir por si mesma as relações
fonema-grafema, em sua interação com material escrito e por meio de
experiências com práticas de leitura e de escrita. Pode-se talvez dizer que, no primeiro caso,
privilegia-se a alfabetização, no segundo caso, o letramento. O problema é que,
num e noutro caso, dissocia-se equivocadamente alfabetização de letramento, e,
no segundo caso, atua-se como se realmente pudesse ocorrer de forma incidental
e natural a aprendizagem de objetos de conhecimento que são convencionais e, em
parte significativa, arbitrários – o sistema alfabético e o sistema ortográfico.
Dissociar alfabetização e letramento é um equívoco porque, no quadro das atuais concepções psicológicas,
lingüísticas e psicolingüísticas de leitura e escrita, a entrada da criança (e
também do adulto analfabeto) no mundo da escrita se dá simultaneamente por
esses dois processos: pela aquisição do sistema convencional de escrita – a
alfabetização, e pelo desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema em
atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem a língua
escrita – o letramento. Não
são processos independentes, mas interdependentes, e indissociáveis: a
alfabetização se desenvolve no contexto de e por meio de práticas sociais de
leitura e de escrita, isto é, através de atividades de letramento, e este, por
sua vez, só pode desenvolver-se no contexto da e por meio da aprendizagem das
relações fonema-grafema, isto é, em dependência da alfabetização. A concepção “tradicional” de alfabetização,
traduzida nos métodos analíticos ou sintéticos, tornava os dois processos
independentes, a alfabetização – a aquisição do sistema convencional de
escrita, o aprender a ler como decodificação e a escrever como codificação –
precedendo o letramento – o desenvolvimento de habilidades textuais de leitura
e de escrita, o convívio com tipos e gêneros variados de textos e de portadores
de textos, a compreensão das funções da escrita. Na concepção atual, a alfabetização não
precede o letramento, os dois processos são simultâneos, o que talvez até
permitisse optar por um ou outro termo, como sugere Emilia Ferreiro em recente
entrevista à revista Nova Escola, em que rejeita a coexistência dos dois
termos, com o argumento de que em alfabetização estaria compreendido o conceito
de letramento, ou vice-versa, em letramento estaria compreendido o conceito de
alfabetização – o que seria verdade, desde que se convencionasse que por
alfabetização se estaria entendendo muito mais que a aprendizagem grafo-fônica,
conceito tradicionalmente atribuído a esse processo, ou que em letramento se
estaria incluindo a aprendizagem do sistema de escrita.
Em síntese, o que se propõe é, em primeiro lugar, a
necessidade de reconhecimento da especificidade da alfabetização, entendida
como processo de aquisição e apropriação do sistema da escrita, alfabético e
ortográfico; em segundo lugar, e como decorrência, a importância de que a
alfabetização se desenvolva num contexto de letramento – entendido este, no que
se refere à etapa inicial da aprendizagem da escrita, como a participação em
eventos variados de leitura e de escrita, e o conseqüente desenvolvimento de habilidades
de uso da leitura e da escrita nas práticas sociais que envolvem a língua
escrita, e de atitudes positivas em relação a essas práticas; em terceiro
lugar, o reconhecimento de que tanto a alfabetização quanto o letramento têm
diferentes dimensões, ou facetas, a natureza de cada uma delas demandando uma
metodologia diferente, de modo que a aprendizagem inicial da língua escrita
exige múltiplas metodologias, algumas caracterizadas por ensino direto,
explícito e sistemático – particularmente a alfabetização, em suas diferentes
facetas – outras caracterizadas por ensino incidental, indireto e subordinado a
possibilidades e motivações das crianças; em quarto lugar, a necessidade de
rever e reformular a formação dos professores das séries iniciais do ensino
fundamental, de modo a torná-los capazes de enfrentar o grave e reiterado
fracasso escolar na aprendizagem inicial da língua escrita nas escolas
brasileiras.
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